Passados 150 anos, teoria da evolução ainda é tema de
intensos debates.

Darwin retratado como um orangotango, em caricatura
satírica de 1871
No bicentenário de nascimento e 150 anos de publicação de "A Origem das Espécies"
(1859), as ideias do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), expostas em sua
mais famosa obra, o mantém mais atual e controverso do que nunca.
Porque, afinal de contas, ainda hoje boa parte da humanidade é relutante em aceitar
algumas conclusões da teoria da evolução, que teve em Darwin seu maior expoente, e
o quanto desta teoria contribuiu para mudar nossa visão de mundo?
Por trás de erros de interpretação - os mais comuns dizem que o homem evoluiu do
macaco, que na Natureza só os mais fortes sobrevivem e que as espécies evoluem
para estágios superiores - e debates acalorados com religiosos, a teoria da seleção
natural, que explica a evolução das espécies, se mostra notavelmente simples.
Darwin trabalhou a teoria ao longo de 20 anos, após a famosa viagem a bordo do
navio "Beagle". Durante a expedição, que durou cinco anos, coletou espécimes de
plantas e animais, principalmente nas Ilhas Galápagos. Ele receava a divulgação do
material devido a uma eventual repercussão negativa por parte da sociedade puritana.
Mas, em 1858, ao saber que seu colega Alfred Russel Wallace (1823-1913) havia
chegado a resultados semelhantes, Darwin superou a insegurança e publicou, no ano
seguinte, "A Origem das Espécies Por Meio da Seleção Natural". Com isso, pode
desfrutar dos créditos pela descoberta.
Seleção natural
De acordo com a teoria da seleção natural, todas as espécies geram descendentes,
aos quais transmitem traços hereditários. Esses descendentes, entretanto, não são
cópias idênticas, mas comportam variações genéticas.
Como nem todos sobrevivem em um ambiente de recursos limitados, aqueles mais
adaptados ao meio tem mais sucesso em repassar os genes a gerações futuras, por
meio da reprodução. Num prazo longo o suficiente, esse critério seletivo faz
prevalecer indivíduos dotados de características que melhor o acomodam à Natureza,
provocando a evolução da espécie.
Um exemplo simples é imaginar uma população de bactérias. Dentre elas, um grupo é
naturalmente mais resistente a determinado antibiótico. Como esse grupo tem mais
chances de sobrevivência, produz mais descendentes, até que a população seja
formada por bactérias resistentes ao antibiótico.
Em resumo, há uma variação genética de uma geração a outra, que ocorre em
determinada população, e o ambiente seleciona os indivíduos da espécie com os
traços mais adaptáveis.
Genética
Na época de Darwin existiam poucos recursos para explicar exatamente como
ocorrem as mutações genéticas que são selecionadas na interação com o meio
ambiente. A redescoberta das leis da hereditariedade derivadas dos experimentos de
Gregor Mendel (1822-1884), a partir de 1900, ajudou a entender melhor as
engrenagens da evolução.
Hoje, com os avanços na área da genética, sabemos que as mudanças aleatórias
ocorrem no DNA e que elas, na maioria das vezes, não trazem vantagens evolutivas ao
organismo, podendo mesmo ser prejudiciais.
Um ponto importante a se destacar é que evolução não é sinônimo de progresso.
Darwin foi criterioso e em seus textos não há uma linha sequer a respeito de melhoria
das espécies (o que não significa que, em alguns casos, isso possa de fato ocorrer). Tal
interpretação foi dada por Herbert Spencer (1820-1903), um notório filósofo
evolucionista da época.
Ser mais bem adaptado não significa ser melhor ou mais desenvolvido. Animais
simples como bactérias, por exemplo, são mais bem sucedidos que o homem em
termos evolutivos.
Macacos
A seleção natural não explica somente mudanças ao longo do tempo, mas também o
aparecimento de novas espécies. Segundo a teoria, todos os seres vivos descendem
de um organismo primordial e se diversificam no processo evolutivo.
Em "A Origem das Espécies" Darwin evitou tratar da evolução humana. Faria isso mais
de dez anos depois com a publicação de "A Descendência do Homem" (1871),
encorajado pelos trabalhos de Thomas H. Huxley (1825-1895), o maior defensor de
sua obra. No livro, ele afirma que os parentes vivos mais próximos do homem são
gorilas e chipanzés. Foi o bastante para ser ridicularizado em jornais ingleses.
A coleta e registro de fósseis, bem como análises de cadeias de DNA, comprovaram a
tese do naturalista. A ciência sabe, hoje, que o ancestral mais remoto do homem viveu
na África há cerca de sete milhões de anos.
Porém, faltam peças no quebra-cabeça da linhagem humana. A árvore genealógica do
hominídeo não é linear, pelo contrário, comporta diferentes ramos que não se
desenvolveram. São nove espécies diferentes e outras tantas ainda desconhecidas
como aquela que há milhares de anos originou homens e macacos.
Por esta razão, é um erro dizer que descendemos dos macacos. Na verdade, temos
ascendentes em comum.
Deturpações
Outras leituras equivocadas deram origem, no final do século 19, ao chamado
darwinismo social, que propunha explicar o comportamento dos indivíduos em
sociedade por intermédio da seleção natural.
O conjunto de teses pseudocientíficas serviu para compreender desde uma suposta
inferioridade racial até tendências criminosas, além de justificar a competição acirrada
no mercado capitalista, onde "somente os mais fortes sobrevivem". Nada mais
estranho ao que Darwin propunha com a teoria da evolução.
Talvez a mais desastrosa apropriação da obra darwinista tenha sido a eugenia,
proposta pelo cientista britânico Francis Galton (1822-1911), primo de Darwin, como
método de aperfeiçoamento genético de raças pela seleção artificial - basicamente,
casamentos arranjados entre indivíduos considerados mais inteligentes, fortes e
saudáveis. Os nazistas usaram técnicas de eugenia em programas de limpeza étnica
durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Mais recentemente, surgiram correntes mais científicas, como a sociobiologia, nos
anos de 1970, e a psicologia evolutiva, nos anos de 1990, apesar de também serem
muito criticadas pelos evolucionistas.
Criacionismo
Atualmente, o maior adversário da teoria da evolução de Darwin é o movimento
criacionista". Os criacionistas se opõem ao ensino do darwinismo nas escolas desde os
anos de 1920 nos Estados Unidos, pelo fato das descobertas contrariarem dogmas
religiosos.
Em sua última versão, propuseram a teoria do "design" inteligente para tentar provar
a existência de uma inteligência superior (que pode ser Deus) orientando a evolução
das espécies, ao invés do mero acaso de mutações genéticas.
Os criacionistas argumentam que o pensamento darwinista é incoerente e está em
crise (o que não é verdade). Além disso, dizem que, democraticamente, a hipótese do
"design" inteligente deveria fazer parte dos currículos escolares, ao menos como
teoria alternativa.
A mensagem de Darwin é incômoda: não somos superiores aos outros seres que
habitam este planeta; não caminhamos, necessariamente, para um mundo melhor; e
nem somos donos de nosso destino. Aceitar esta lição de humildade talvez seja o
caminho para habitarmos o planeta pelos próximos 200 anos.
*José Renato Salatiel é jornali


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